Galeria Arte Periférica, CCB, Lisboa
Prorrogada até 19 de novembro
Quem entra na Arte Periférica depara-se com um mar suspenso. Não de água, mas de madeira crua, pregos tortos e olhares que não se cruzam. João Castro Silva constrói jangadas pesadíssimas que flutuam no ar, erguidas sobre palafitas tão frágeis que parecem desafiar a gravidade, e a própria ideia de sociedade.

As peças são navios fantasma habitados por homens rigorosamente modernos: figuras esguias, talhadas em madeira dura, que se equilibram em plataformas minúsculas e olham fixamente para além do horizonte. Não há mulheres, não há crianças, não há diálogo. Apenas a espera obstinada de quem ainda acredita que algo, ou alguém, virá salvar o dia.
A curadora Sabina de Cavi, historiadora de arte na Universidade Nova de Lisboa, lê nestas esculturas uma alegoria brutal da “modernidade líquida” de Zygmunt Bauman. “São sociedades em vilico perene”, escreve ela no texto de sala. “Unidas por grampos e pregos, prontas a desmoronar-se na primeira maré.” O eco das antigas palafitas de Aveiro, outrora cheias de vida e peixe, regressa aqui como metáfora do isolamento: já não unem, separam.
Há qualquer coisa da Balsa da Medusa de Géricault na fixidez desses olhares, mas sem o desespero carnívoro do naufrágio. Os homens de Castro Silva estão vivos, pacientes, quase estoicos. Continuam a procurar “além”, mesmo sabendo que o além é vazio. É uma esperança teimosa, quase patética, que nos atinge em cheio.
A exposição, que deveria ter fechado portas, foi prorrogada até 19 de novembro graças à enchente de visitantes. Vá antes que as jangadas se partam de vez, ou antes que percebamos que já estamos todos nelas.


