No ano em que se assinalam 100 anos da morte de Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905), o Museu Bordalo Pinheiro prepara-se para inaugurar uma exposição que une passado e presente, tradição e subversão. “Pomar e Bordalo. Assemblages”, que abre ao público no dia 14 de março de 2025, revela uma colaboração inusitada entre dois mestres da arte portuguesa, separados por um século, mas unidos pela irreverência e pelo humor.
Quando um Touro Vira José e uma Galinha Chama-se Judite
Em 2005, a convite da galerista Ana Maria Viegas (Galeria Ratton), o pintor Júlio Pomar (1926-2018) visitou a histórica Fábrica Bordallo Pinheiro para uma missão ousada: resgatar moldes originais do século XIX de Rafael Bordalo Pinheiro e transformá-los em criaturas novas, absurdas e deliciosamente cómicas. O resultado? Uma série de assemblages cerâmicas onde animais como touros, galinhas, porcos e gatos ganham corpos desmontados, cabeças trocadas e nomes próprios.
O touro José, a galinha Judite, a porca Suzy, o gato Ezequiel e a coruja Joana são algumas das figuras que Pomar criou ao interromper o processo tradicional de montagem das peças. Em vez de seguir as instruções, o artista desmembrou as partes — patas, asas, focinhos — e reorganizou-as como quem resolve um quebra-cabeças surreal. O resultado são seres híbridos, que primeiro confundem, depois divertem e, por fim, conquistam.
A Arte de Desarrumar o Mundo
Rafael Bordalo Pinheiro, célebre pelas suas cerâmicas satíricas e pela figura do Zé Povinho, já desafiava as convenções do século XIX com um olhar crítico e mordaz. Júlio Pomar, por sua vez, revolucionou a arte moderna portuguesa com sua pintura visceral e experimental. Na exposição “Assemblages”, os dois artistas conversam além do tempo: Bordalo fornece os moldes, Pomar a irreverência.
A curadoria revela como ambos desmontaram regras — um na cerâmica, outro na pintura — para criar obras que questionam a ordem estabelecida. “Não se trata apenas de juntar peças, mas de desarrumar a realidade e mostrar que há beleza no caos”, explica Inês Ribeiro, diretora do Museu Bordalo Pinheiro.
Uma Exposição Para Rir (e Pensar)
A mostra, organizada em parceria com o Atelier-Museu Júlio Pomar e a Galeria Ratton, não se limita às cerâmicas de Pomar. Inclui também peças originais de Bordalo Pinheiro, desenhos e documentos que contextualizam o diálogo entre os dois artistas.
O humor é o fio condutor: as obras de Pomar provocam sorrisos ao desafiar o espectador a reconhecer, em meio à desordem, o animal original. “É como se Pomar dissesse: ‘A vida não vem montada. Cabe a nós encontrar poesia nos fragmentos’”, reflete João Pinharanda, curador do Atelier-Museu Júlio Pomar.
Informações Práticas
- Inauguração: 14 de março de 2025, às 18h30 (entrada livre)
- Período: 15 de março a 22 de junho de 2025
- Local: Museu Bordalo Pinheiro (Lisboa)
- Bilhetes: A preços acessíveis, com descontos para estudantes e seniors
Por Que Visitar?
Esta não é uma exposição sobre cerâmica. É uma celebração da arte como ato de rebeldia, um convite a rir das certezas e a encontrar beleza no inesperado. Como escreveu Pomar: “A arte não serve para decorar paredes. Serve para desarrumar a alma.”
Venha conhecer José, Judite e companhia — seres impossíveis que nos lembram que, às vezes, a melhor forma de homenagear o passado é reinventá-lo.