A ideia que vagava em minha cabeça era o livro do fotógrafo americano David Douglas Duncan – hoje com cem anos completados em janeiro – “O atelier silencioso”, no qual ele registra a casa de um pintor do qual era amigo íntimo, Picasso. Adaptando a mesma intensão para nossa situação, era isso: registrar o que poderíamos entender, localizar,filtrar por imagens o que é ou deveria ser uma vida de artista. Então, seria curtir e flagrar o que existisse no entorno de cada artista visitado.
Criamos um roteiro e dentro dessas limitações nos comportamos. Centenas de fotos, incontáveis visitas, descobertas e longas conversas (muitas vezes, confissões) enquanto realizávamos aquela devassa consentida. Nada escapava ao olhar de Fernando Zago que, com “alma atenta” – no dizer de Fernando Pessoa -, mergulhava nesses universos particulares.
São espaços vazios, sem a presença física dos visitados, porém essa ausência/presença de cada um é sentida nesses espaços de criação. Onde pressentíamos o que estivesse …vazio, era esse “vazio” que nos surpreendia, pulsava a nossos olhos, matéria viva, parte integrante das obras ali realizadas/criadas. Espaços de vida, espaços de múltiplas vivências, espaços de magia, espaços do infinito gesto criador, espaços de mistérios…espaços.
Mas eu disponho de um precedente, uma “aventura” desenvolvida com o fotógrafo Martin Streibel – nos anos 80 – para uma exposição chamada ”Lixo de atelier”. Era outro momento mas de espírito semelhante ao de agora. Tenho o Martin Streibel na conta de um mestre em preto e branco e assim realizamos aquele trabalho. E agora, Ferrnando Zago derrama-se em cores, um contraponto de olhares, duas almas atentas.
Este trabalho aponta para o encerramento de um tríptico iniciado com “Visão 6.0”, seguido de “Visão.6.5” ocasiões nas quais encerrava ciclos existenciais nos quais exibi, em diversas modalidades técnicas, obras de artistas convidados; não é diferente agora, a intenção é a mesma, segue o mesmo espírito, uma tentativa de dessacralizar a aura do artista procurando mostrar o que há por trás da pessoa…por isso o título banal, óbvio, como se fosse um mero samba-cançãotrazendo dores escondidas, sombras e cicatrizes da alma, alegrias incontidas, porque não? Escolheu-se simbolicamente alguns para homenagear todos.