IBERÊ, UMA CARTA PARA O FUTURO – CRÔNICA RENATO ROSA

Há quem não entenda e também não goste, esse tipo de sentimento emerge de muitos espectadores quando confrontam-se com uma obra específica – e mesmo qualquer trabalho – de Iberê Camargo. Confesso de imediato que obra e homem me fascinam pois tive a sorte de privar com o artista. Um combatente cuja voz erguia-se em telas, cores, espátulas e pincéis. Tudo o que ele viveu, pensou, cometeu,  está contido – dentro de sua extensa obra – ao longo de toda a sua carreira. Basta pegarmos aleatóriamente qualquer imagem criada por esse genial artista e está lá seu depoimento sobre o tido e havido. Iberê fala da morte, da solidão. É angustiante por isso não agrada a muitos, não traz flores…riachos…mar..estrelas…luares.

Em síntese, não é cafona. Alguns ainda julgam Iberê sob o prisma moralista face a tragédia que viveu e na qual tanto foi vítima quanto protagonista. Fiquei ao lado do artista e me manifestei ao próprio naquela época. Me solidarizei e posso considerar minha atitude  embora apaixonada, isenta pois o que veio a seguir foi sua absolvição pública nos tribunais. Assunto zerado a lei dos homens sentenciou e…finis. Não sejamos ingênuos em pensar que devam esquecer…não, e ele, mais do que ninguém espiou o ato cometido. Na parte final de sua vida Iberê criou três quadros em grandes formatos (vide foto) nos quais retrata-se como uma “criança” nua deitada no chão para ouvir o som e sentir o calor da terra mãe. Vejo alí, além do “retorno” à infância, o pressentimento da morte, pois tudo está projetado nesses dramáticos painéis. A densidade da terra de Restinga Seca, um triciclo abandonado, um casebre e outros elementos plasmados na paisagem inóspita.

Mas o que mais me chama a atenção nesse universo rico de simbologias está em um dos quadros com azuis predominantes em diversas tonalidades trazendo um céu com nuvens dissipando-se nas quais podemos ver no canto esquerdo, como se saísse – líricamente – à maneira de Chagall –  para fora da composição o contorno de um casal, para mim…ele e sua fiel Maria. Assim como temos que ter olhos de horror para ver Iberê, também temos que ter olhos de poesia na mesma direção. Arte não é uma coisa imediata. Não se iludam…ele pontaria de modo contundente esse Brasil de hoje, indignado, perplexo como estamos é com violentos roxos e vermelhos. Um gênio. Me curvo, totalmente, sua obra é uma carta para o sempre futuro, eterna.Enviado do meu smartphone Samsung Galaxy.

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Coluna – Renato Rosa
Renato Rosa, brasileiro, São Gabriel, RS, Brasil, 1946. Marchand, pesquisador, editor do jornal cultural O PARALELO do site www.bolsadearte.com/oparalelo, co-autor do “Dicionário de Artes Plásticas no Rio Grande do Sul”, (2ª edição, 2000, esgotada) Editora da Universidade/UFRGS.

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