Ouvindo vozes? A mulher nascer para sofrer? Como assim?

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Ouvindo vozes?
A mulher nascer para sofrer?
Como assim? E estas duas inquietantes lágrimas que escorrem desse olhar petrificado?
É a capa do long play do jazista norteamericano Danny Small com a qual convivi/ouvi durante décadas sem saber nada sobre o artista mas desconfiava pelo timbre ser a voz de um cantor negro.
Danny Small nasceu em Chicago em 1927 – hoje sei “quase” tudo e o tio Google também sabe pouco – e obteve um relativo sucesso na primeira metade e início dos anos 1960. Esse álbum é de 1962 e tomei conhecimento dele em 1965 através do meu sempre saudoso amigo Mário Roitman.
Foto: Capa do LP de 1965
Muito curtimos a voz diferenciada, gutural, rouquenha, e quase recitativa das composições de Danny Small. Sou bom de ouvido, sei, e numa certa tarde sombria e chuviscante de 1969 andando com um amigo, – Rubem, que também já nos deixou – pela agitada rua Don José de Barros em São Paulo, no meio de dezenas de ruídos e músicas diversas saídas de lojas de discos, ouço uma flauta e um piano que emergem naquele pandemônio urbano trazendo, nitidamente, uma sensação passada e grito:
– É o Danny Small!!! Vou atrás desse disco!!!
E me embrenhei incontinenti (adoro usar essa expressão, meio fotonovela da antiga revista Capricho) entre as lojas e seus mostruários e…sinsiribin… encontrei o disco!! Comprei na hora. Foi o único disco editado do artista no Brasil que durante décadas ouvi e tampouco soubera do destino do cantor/compositor.
E outro dia buscando não sei quem no Youtube me deparo com vídeos do Danny Small ainda neste anos dez deste século e gravados no subway novaiorquino. Lá estava Danny agora Danny C. Small cantando, sentado a um banco na estação da 14 Street (pena, não conheço porque estranhamente nunca me atraiu New York City…e tenho amigos que tem verdadeiros orgasmos só em ouvir o nome da cidade).
Danny então, um homem com seus mais de oitenta e muitos anos, potente, agora sendo ali um cantor de soul music dependendo da caridade alheia acompanhado de um carrinho tipo esses de supermercado e uma geringonça eletrônica de onde ele comanda o som que lhe acompanha. Danny C. Small apresentado no vídeo como um homeless. Triste.
Mas o interessante é que nos diversos vídeos está sempre limpo e de roupas trocadas. Elegante. Oxalá ainda esteja vivo e seja o Danny do disco daquele distante ano de 1965.
E quem teria sido a sua musa lá naquele ano passado e “feita para sofrer”? Ainda tenho o long playing 33 rpm.
Salve Danny, salve Mário!!! Contudo acredito que se trata de distintos e diferentes Dannys. Dois Dannys?
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Coluna – Renato Rosa
Renato Rosa, brasileiro, São Gabriel, RS, Brasil, 1946. Marchand, pesquisador, editor do jornal cultural O PARALELO do site www.bolsadearte.com/oparalelo, co-autor do “Dicionário de Artes Plásticas no Rio Grande do Sul”, (2ª edição, 2000, esgotada) Editora da Universidade/UFRGS.