Texto protesto do artista plástico Emanoel Araújo

EMANOEL ARAÚJO. Criador, curador e diretor do Museu Afro-Brasil em São Paulo, SP. Salve Emanoel Araujo!!!

UM SENHOR DESPREZÍVEL, FILHO DE UM GRANDE POETA

“Antigamente eu morria,
Antigamente eu amava,
Antigamente eu sabia
Qual é o chão que resvala
Se o passo da gente pesa.
Hoje que sou homem leve,
Sem dinheiro, sem altura,
E tenho a boca entreaberta,
Olhando o incêndio do mundo,
Vejo a certeza mais certa:
Eu cavo sempre no fundo!”

Oswaldo de Camargo[1]

Esse é mais um caso escabroso dessa política atual de destruir e desqualificar as instituições brasileiras. Dessa vez o tema é o negro, na pessoa de Sérgio Camargo, e um outro que o Presidente chamou de escravo – Hélio Negão Lopes –, sombra de suas falas nas redes sociais, deputado federal eleito pelo Rio de Janeiro. Ambos sem nenhuma autoestima, que se põem a serviço de uma ideologia do ódio, negando seus próprios valores.

A Fundação Palmares foi criada no bojo das comemorações dos 100 anos da Abolição da Escravatura pelo então Presidente José Sarney, e eu estive lá no dia da proclamação dessa lei, em 1988.

Emanoel Araújo e Renato Rosa (acervo pessoal)

Esse negro chamado Sérgio Camargo, filho de um grande poeta negro, é hoje presidente da Fundação Cultural Palmares e nega, ao sabor da sua ignorância, tudo o que aconteceu no século XVII no Quilombo dos Palmares, Serra da Barriga, hoje no Estado de Alagoas. Foi destruído pelo bandeirante paulista Domingos Jorge Velho. Nega esses africanos diante das atrocidades sofridas como escravos – um deles, Zumbi dos Palmares –, nega esses valores, esses símbolos da liberdade, além do que se clama agora mesmo, mais ainda no Rio de Janeiro, onde se vê a truculência contra os negros em situações de exclusão, mortos pela polícia criminosa da cidade.

Sérgio Camargo, o novo presidente da Fundação Cultural Palmares nega qualquer importância social e cultural da Fundação que ele próprio dirige, e mal, no pouco tempo que lá está, e ainda dizendo palavras inapropriadas ao povo negro do Brasil, sendo ele um negro. Que vergonha! Uma coisa abjeta.

A Fundação Palmares, foi o grande desafio do ano de 1988, quando o Presidente Constituinte José Sarney tinha um claro simbolismo na busca da ressurreição para quem negro foi, e quem negro é.

Foge de sua verdadeira vocação por recuperação racial, social e da memória e da arte na figura desse grande Quilombola, Zumbi dos Palmares e outros, de quilombos e quilombolas pelo Brasil afora, inclusive aqui em São Paulo.

A Fundação Palmares foi mais um desses engodos vindos de cima para baixo, como a lei 10.639/03 promulgada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o ensino da história da África, assim como a Lei de Cotas e a SEPPIR – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. A despeito de todas as boas intenções, tudo isso não valeu de nada.

A Fundação Cultural Palmares sempre foi um gabinete de emprego dos desocupados da ilha da fantasia que é Brasília, Capital Federal e Capital da República. Essa Fundação serviu para acomodar funcionários de outras autarquias, e assim, cada presidente que lá entrava tinha seus próprios projetos políticos e ela jamais serviu para seus propósitos. Seus presidentes foram sempre nomeados por injunções do Ministério da Cultura para nada realizar.

Em diferentes períodos por lá passaram advogados, ativistas negros, poetas, antropólogos e muita irresponsabilidade. Agora, esse lugar abriga Sérgio Camargo, posto ali por Roberto Alvim que foi exonerado com seu discurso nazista, deixando esse câncer de presente para os negros do país. Não bastasse os sofrimentos dos negros e africanos sob o chicote de seus senhores que fizeram fortunas no lombo desses escravos, e ainda se vê hoje o resultado dessa injustiça social em cada favela, em cada comunidade onde estão os excluídos desse sistema cruel, racista, para cada negro como ele, Sérgio Camargo, filho do grande intelectual e poeta Oswaldo de Camargo, um homem consciente de seus princípios.

Esse senhor deve sair da Fundação, depois de tantos insultos aos homens de bem e à história do Brasil, um país onde os negros foram fundamentais para o desenvolvimento em plena saga da escravatura.

Para que ele se lembre, houve Juliano Moreira, primeiro psiquiatra brasileiro, o grande geógrafo e historiador Teodoro Sampaio, responsável pelo serviço de águas de São Paulo, Alberto Guerreiro Ramos, sociólogo e escritor, Paula Brito, o primeiro editor do país, o músico Padre José Maurício Nunes Garcia, os cantores e compositores Geraldo Pereira, Dorival Caymmi, Pixinguinha, Cartola, Assis Valente e Ismael Silva. E João da Baiana, Nelson Cavaquinho, o instrumentista e compositor Sinhô, Paulo da Portela – o Cidadão Samba, e Tia Ciata, vida e alma do samba carioca. Os poetas Luiz Gama, Cruz e Souza e a poetisa Auta Rosa de Souza, o escritor Machado de Assis, os escultores barrocos Aleijadinho e Mestre Valentim, os pintores Manuel da Cunha, Estêvão Silva, os irmãos Arthur e João Timóteo da Costa,Rafael Pinto Bandeira e as grandes Maria Auxiliadora e Maria Lídia Magliani. Ruth de Souza e Grande Otelo, grandes atores, além de Dona Santa, Rainha do Maracatu Elefante, o palhaço Benjamim de Oliveira e a bailarina Mercedes Baptista. Cantoras inesquecíveis, Elizete Cardoso e Ângela Maria, o etnólogo Waldeloir Rego, o pintor e escultor Rubem Valentim, os pintores Octávio Araújo e Sidney Amaral. Além, é claro, de Mestre Didi, escultor e Alapini do Ilê Axé Asipá. Todo respeito a elas, Dona Senhora do Axé Opó Afonjá, Dona Menininha do Gantois e Dona Olga do Alaketu. E Nilo Peçanha que foi Presidente da República, Milton Santos, geógrafo de renome internacional, o poeta e pintor Solano Trindade, os escritores Lima Barreto e Carolina de Jesus, e mais, a grande romancista Maria Firmina dos Reis. Garrincha e Edson Arantes do Nascimento, o Pelé,dois grandes do futebol. Dona Maria de São Pedro, grande quituteira da Bahia. Os engenheiros André e Antônio Pinto Rebouças, Manuel Querino, escritor, político abolicionista, fundador do Partido Operário e aluno fundador do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, e João Cândido – o Almirante Negro que defendeu seu companheiro marinheiro que receberia 250 chibatadas. E o seu pai, Oswaldo de Camargo, negro, grande músico, escritor e poeta. E um nome de muito respeito.negro, grande músico, escritor e poeta. E um nome de muito respeito.negro, grande músico, escritor e poeta. E um nome de muito respeito.
Essa é a nossa história que talvez ele desconheça.

Emanoel Araujo
Diretor e Curador do Museu Afro Brasil

[1] Excerto de “Antigamente”. In: O Estranho. São Paulo. Ed. Roswitha Kempf, 1984.

……………

(*) ilustração: MAGLIANI.Z